Os magistrados do Ministério Público
associados do SMMP,
reunidos em Assembleia-Geral
Consideram que:
- Sob
o pretexto do combate à crise, os últimos Governos têm destruído o Estado
Social e a economia real, ofendendo os princípios basilares do próprio
Estado de Direito democrático e violando garantias constitucionais
fundamentais, nomeadamente os princípios da intangibilidade dos salários,
da igualdade, da proporcionalidade, da tutela da confiança, e da
progressividade e suportabilidade do imposto sobre o rendimento pessoal;
2. Como se previra e alertara, os sacrifícios
exigidos aos portugueses desde 2011, particularmente aos servidores
públicos, não trouxeram qualquer benefício ao país e à população em
geral, continuando por resolver os problemas estruturais da economia e das
finanças públicas, sendo incompreensível que o Governo insista numa receita que
há dois anos se revela ineficaz;
3. A
Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2013:
i. apesar de anunciar a
pretensão de respeitar a decisão do Tribunal Constitucional e a Constituição,
nomeadamente numa vertente de “igualdade na repartição dos encargos públicos”,
e afirmando até pretender “uma sociedade com menores desigualdades e mais
justa”, consubstancia-se depois numa formulação que procurará e
conseguirá precisamente o contrário – maior desigualdade e injustiça, pois
que tanto o diferente tratamento de pessoas com rendimentos iguais, como o
sacrifício de certos rendimento para benefício dos demais, são medidas que,
para além de injustas, manterão, no essencial, os critérios e iniquidades
que levaram à declaração de inconstitucionalidade de algumas normas da Lei
do Orçamento de 2012, acrescentando até novas formas de violação da
Constituição;
ii. mantém um desproporcionado
e injustificado desequilíbrio entre os sacrifícios impostos aos titulares de
rendimentos do trabalho e das pensões no sector público e os do sector privado:
os trabalhadores do sector público sofrerão todas as medidas que recaem sobre
os trabalhadores do sector privado, a isso acrescendo a perda de um salário
(um dos subsídios) e a redução do vencimento (que vem desde 2011 e se manterá
em 2013), que, para os magistrados, é de 10%, o que equivale a cerca de um
salário e meio, ou seja, a dimensão do seu sacrifício é o dobro da imposta
ao sector privado;
4. Na
Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2013:
i. quer o aumento de
receita, quer a diminuição da despesa são feitas principalmente através das
pessoas singulares e, dentro destas, com especial relevo para os
servidores públicos;
ii. 80% da consolidação
orçamental assenta no aumento de receita e desta 77% é obtida através do
aumento do IRS e das prestações sociais;
iii. continuará a não
haver verdadeira redução da despesa (apenas 20% da consolidação
orçamental), assentando esta essencialmente na redução dos salários, suspensão
de pagamento de subsídios e redução das prestações sociais (66%);
5. Devido ao seu regime legal de exclusividade, que os impede de procurar
rendimentos noutras actividades, sem paralelo em qualquer outra carreira dos
servidores públicos, os magistrados serão particularmente afectados por estas
novas medidas, que significarão uma redução global de pelo menos 40% face aos
seus salários de 2010, ou seja, um abusivo e inconstitucional confisco,
agravando significativamente, muito além do tolerável, a sua situação
financeira.
6. Esta drástica redução dos seus
rendimentos atinge significativamente o seu estatuto socioprofissional,
fomentando um estado de insegurança e de falta de confiança nas instituições,
de fragilização dos fundamentos do Estado de Direito democrático e,
reflexamente, afectando de forma grave os direitos dos cidadãos destinatários
da justiça, como é reconhecido pelo Conselho da Europa e pela Relatora Especial
das Nações Unidas para a Independência do Poder Judicial.
7. Como referem muitos economistas, perspectiva-se
que estes sacrifícios sejam em vão, continuando o país com os mesmos
problemas estruturais.
8. Não obstante a necessidade de reforço
da solidariedade entre todos os cidadãos e sectores da sociedade, assente em
medidas equitativas e proporcionais, o Governo continua a estigmatizar
ostensivamente os trabalhadores do Estado, alegados beneficiários de
privilégios há muito inexistentes, assim alimentando fracturas entre os
sectores público e privado.
9. A situação de emergência nacional é
apresentada como justificação para a violação ou compressão de direitos
constitucionais de milhões de cidadãos, mas, incompreensivelmente, não é
suficiente para levar o Governo a propor à Assembleia da República medidas legislativas
que reduzam rentabilidades escandalosas que o Estado está a assegurar a
privados em contratos ruinosos, inexplicavelmente celebrados para proveito
apenas de alguns grupos económicos e bancários, ou para tributação dos
rendimentos do capital em termos similares aos dos rendimentos do trabalho.
10. O Governo
continua, pois, a não querer verdadeiramente respeitar a Constituição e o
Tribunal Constitucional, pilares de um Estado de Direito.
11. Os magistrados do Ministério Público não estão
disponíveis para assistir, resignados, ao desmembramento do Estado de Direito,
à violação da Constituição e ao confisco de parte substancial dos seus
rendimentos, antes estão empenhados em cumprir plenamente os deveres de
cidadania que recaem sobre todos os portugueses;
12. Sendo tantas e tão fundadas as dúvidas sobre a
conformidade constitucional da Lei do Orçamento do Estado, e sendo certo que os
efeitos que esta venha produzir dificilmente seriam reparáveis, tal lei – a ser
aprovada nos termos da proposta – só poderá entrar em vigor depois de
apreciação do Tribunal Constitucional.
Pelo exposto, os magistrados do Ministério
Público associados do SMMP,
reunidos em Assembleia-Geral,
deliberam o seguinte:
a. Estão solidários com
todos os cidadãos, que, em Portugal e no resto da Europa, de forma responsável
e no respeito das normas constitucionais e legais, se têm manifestado e
continuarão a manifestar-se civicamente na defesa do Estado Social de
Direito, contra práticas políticas abusivas, lesivas da democracia, comprometedoras
do progresso económico e social, nomeadamente com aqueles que farão a greve de
14 de Novembro.
b.um empenho redobrado para
que a Justiça funcione com maior qualidade e celeridade, assim dando
efectividade prática aos direitos consagrados na Constituição e na Lei;
c. Mandatam a Direcção para:
a. reagir judicialmente
contra todas as medidas orçamentais que se afigurem desconformes à Constituição
e à Lei, afirmando a sua confiança no funcionamento dos tribunais; b. denunciar
ao Conselho da Europa e à Relatora Especial das Nações Unidas para a
Independência do Poder Judicial a situação dos magistrados portugueses;
c. impulsionar junto das
organizações europeias representativas dos magistrados do Ministério Público e
magistrados judiciais a realização de formas de protesto concertadas ao nível
europeu contra todas as políticas dos diversos Estados que diminuam ou
condicionem as garantias da independência do poder judicial;
d. apelar a Sua
Excelência o Presidente da República que suscite a apreciação preventiva da
constitucionalidade da Lei do Orçamento do Estado de 2013, impedindo que a
mesma produza quaisquer efeitos – que sempre seriam irreparáveis para aqueles
por ela lesados – antes de haver certeza de ser conforme à Constituição;
e. por si só ou, preferencialmente,
em coordenação com outras estruturas representativas do sector (juízes,
oficiais de justiça e outros operadores judiciários), nacionais e
internacionais, que nisso manifestem disponibilidade e interesse, para promover
quaisquer outras reacções, incluindo a greve, que, salvaguardando a imagem
pública dos magistrados, se afigurem adequadas à defesa do Estado Social de
Direito e das garantias constitucionais e de direito internacional
fundamentais.
Coimbra, 20 de Outubro de 2012