2009-02-17

 

A importância do Estatuto do Ministério Público

Razão da postagem:

O Ministério Público está a atravessar uma fase em que é visado por uma reforma legislativa que pretende introduzir alterações significativas na sua organização.

Importa, por isso, precisar alguns aspectos que caracterizam o Ministério Público no nosso ordenamento jurídico, de modo a aferir os limites materiais admissíveis para as alterações propostas.




O Estatuto do Ministério Público
:

Como é sabido, a exigência - e garantia - de autonomia do Ministério Público, consagrada na Constituição da República Portuguesa, resulta da revisão constitucional de 1989.

Essa garantia implica, por um lado, uma exigência de auto-determinação, excluindo a subordinação do Ministério Público a outros poderes.

Desenvolvendo esta noção, o art. 2º do Estatuto do Ministério Público concretiza que “a autonomia do Ministério Público caracteriza-se pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas nesta lei."

Ao abrigo do disposto no artigo 80º, a) e b), do Estatuto do Ministério Público, o Ministro da Justiça tem competência para “transmitir, por intermédio do Procurador-Geral da República, instruções de ordem específica nas acções cíveis e nos procedimentos tendentes à composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado” e, ainda, para “autorizar o Ministério Público, ouvido o departamento governamental de tutela, a confessar, transigir ou desistir nas acções cíveis em que o Estado seja parte”.

Contudo, essas instruções não podem ser transmitidas para a acção penal, cujo exercício compete ao Ministério Público com a autonomia assegurada pela Constituição e pelo seu Estatuto.

A Constituição da República Portuguesa consagra o estatuto de «magistrados responsáveis e hierarquicamente subordinados» aos "agentes" do Ministério Público (artigo 219º, 4, ab initio, da C.R.P.).

Contrariamente à relação de hierarquia administrativa de outras organizações de direito público, a estrutura hierárquica do Ministério Público impõe aos seus magistrados que devem recusar o cumprimento de directivas, ordens e instruções ilegais e podem recusá-lo com fundamento em grave violação da sua consciência jurídica", como decorre do artigo 79º, 2, do Estatuto do Ministério Público.

Os magistrados do Ministério Púbico beneficiam, ainda, da garantia de que “não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei” (art. 219º, 4, da C.R.P.) - o que lhes assegura alguma tranquilidade no exercício das suas competências, sem recearem o seu afastamento por razões de conveniência ou de oportunidade -.





Os perigos de um Ministério Público de autonomia reduzida:


Imagine-se, por momentos, um Ministério Público não autónomo, funcionalizado e dotado de um estatuto profissional permeável a influências directas ou indirectas de «outros poderes», condicionantes da acção penal.

O primeiro princípio constitucional afectado seria o da «legalidade» (art. 3º, 2, da CRP) - mediante a introdução sistemática de critérios de oportunidade - e o princípio da «igualdade dos cidadãos» perante a lei (art. 13º da CRP) iria pelo mesmo caminho.

Essa novidade potenciaria o surgimento de arquivamentos de inquéritos-crime política ou economicamente «sensíveis» - incluindo um aumento da possibilidade de surgimento de casos de corrupção emergentes da concentração de poderes - e o aparecimento de acusações a cidadãos visados pelos poderes condicionantes do Ministério Público.


Nem mesmos os juízes podem estar distraídos nesta ocasião: de que vale um Poder Judicial independente - que o ainda não é, dependente, como se encontra, dos meios materiais (incluindo os tecnológicos) e humanos disponibilizados (ou não) pelo Ministério da Justiça - , se alguns casos (inquéritos-crime) poderão deixar de ser apresentados a julgamento por um Ministério Público controlável por poderes estranhos à ratio do sistema constitucional e que pode optar pelo seu arquivamento?...

Se isso algum dia suceder, deverão ser alargadas na mesma ocasião as competências dos juízes de instrução criminal, de modo a preverem o controlo judicial - e, portanto, independente - de todos os arquivamentos e acusações.

Escamotear aqueles perigos, nesta altura, poderá sair muito caro a curto prazo...

O «Estatuto do Ministério Público» é, também por isso, muito importante para todos os cidadãos.

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