2007-08-24

 

Veto presidencial do diploma que aprova a responsabilidade civil extracontratual do Estado




Conforme noticiado aqui, no «Público», «O Presidente da República vetou o diploma que aprova o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas. Para Cavaco Silva, as soluções que o diploma propõe potenciam "consequências financeiras cuja razoabilidade em termos de esforço fiscal é questionável".

Num comunicado divulgado no site da Presidência da República, Cavaco Silva sublinha que o diploma em causa "introduz uma autêntica mudança de paradigma no quadro da responsabilidade extracontratual do Estado", para a qual será necessário "um acréscimo significativo das despesas do Estado, em montantes que não é possível quantificar ou prever". Nesse sentido, o chefe de Estado devolve o diploma ao Parlamento, defendendo que "será da maior conveniência" que os deputados respondam à "repercussão das soluções constantes do diploma"


Chamada de atenção:

Contrariamente ao enfatizado por outros órgãos de comunicação social
(TVI, SIC, Rádio Renascença, TSF, e C.M.) não se trata de um veto fundamentado, "apenas", por exigência de equilíbrio das finanças públicas e razões de operacionalidade administrativa.

Leia-se, a propósito, os seguintes extractos da mensagem dirigida pelo Presidente da República à Assembleia da República, que se encontra publicada, na íntegra, aqui:


«(...) 8. No contexto da responsabilidade por danos causados no exercício da função jurisdicional, o diploma em apreço consagra (artigo13º) um princípio geral de responsabilidade do Estado por erro judiciário − realidade que, em bom rigor, não deve ser confundida com a da revogação de uma decisão judicial por uma instância superior. Ora, a previsão de responsabilidade por erro judiciário é feita de um modo de tal forma abrangente que poderá conduzir a essa confusão, com consequências difíceis de prever a todos os níveis, incluindo o da salvaguarda do princípio da independência dos tribunais, entendido este na sua dimensão da liberdade de julgamento.

Suscita-se, ainda a este propósito, uma segunda ordem de considerações, a qual tem a ver com a determinação do carácter «manifesto» da inconstitucionalidade ou da ilegalidade da decisão, ou do carácter «grosseiro» da apreciação dos pressupostos de facto.

É certo que um pedido de indemnização dependa de prévia revogação da decisão danosa na respectiva ordem jurisdicional, mas quem vai decidir sobre o carácter “manifesto” da ilegalidade ou sobre o carácter “grosseiro” do erro de valoração da prova? Nada dizendo o diploma a esse respeito, a conclusão a tirar parece ser a de que tal juízo competirá ao tribunal competente para a acção de indemnização. Ora, esta solução não é isenta de crítica. De facto, a mesma lógica institucional e normativa, que conduz a condicionar o pedido de indemnização à revogação da decisão danosa na respectiva ordem de jurisdição, impõe que também seja esta ordem de jurisdição a dizer se o erro cometido pelo tribunal recorrido foi manifesto ou grosseiro, quanto ao direito ou quanto à apreciação dos factos. De outro modo, e em se tratando de responsabilidade pela decisão errada de um tribunal judicial, teríamos que, depois de ela haver sido revogada por um Tribunal da Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, iria ser um tribunal administrativo, por fim, a apreciar a gravidade do erro. Se for esta a solução a acolher no futuro, corre-se o risco de se verificar uma grave violação da independência de cada ordem de jurisdição – a qual reverte, ao fim e ao cabo, ao próprio princípio da independência da função judicial.

9. Suscitam-se, igualmente, dúvidas sobre a clareza da solução acolhida quanto à responsabilidade dos magistrados judiciais e do Ministério Público (artigo 14º, nº 1).

Razões de segurança jurídica e de garantia do princípio da independência e irresponsabilidade dos magistrados judiciais, aconselhariam a densificação dos conceitos de culpa grave e dolo para os efeitos da propositura da acção do direito de regresso, à semelhança do que sucede em outros ordenamentos europeus.

As garantias constitucionais de independência e irresponsabilidade dos magistrados judiciais impõem que estes só respondam por violações concretas dos deveres funcionais e nunca por eventuais erros ou incorrecções das decisões que proferem.

Importaria, assim, clarificar, na previsão contida no nº 2 do artigo 14º, que competirá aos Conselhos de disciplina dos magistrados a averiguação prévia da violação concreta dos seus deveres funcionais, para efeitos do apuramento da natureza gravemente culposa ou dolosa da sua conduta. Essa precisão evitaria o risco de uma interpretação indevida do preceito, no sentido de que a proposição da acção de regresso pelos Conselhos decorreria automaticamente da condenação do Estado nos termos do artigo 13º, a qual ofenderia as referidas garantias constitucionais. (...)»

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Comments:
Bom dia.
Permiti-me citá-lo no meu blog «Patologia Social».
Excelente exemplo de pedagogia, ao remeter para o texto presidencial, aquilo que parecia, noticiado pelos media, uma caricatura de decisão, quando se trata, afinal, de uma questão de fundo.
 
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