2007-04-13
Lei Orgânica do C.S.M. e a independência dos tribunais
"A Assembleia da República discutiu hoje um projecto de lei do PSD e uma proposta de lei do Governo quanto à nova Lei Orgânica do Conselho Superior da Magistratura (CSM), com as bancadas do PS, PSD, CDS-PP e PCP a garantir que vão aprovar na generalidade a proposta do Executivo, cuja votação deverá realizar-se na próxima quinta-feira.
O ministro da Justiça, Alberto Costa, referiu que o CSM «permaneceu durante décadas sem um estatuto e sem condições à altura das responsabilidades que lhe estão atribuídas pela Constituição», sublinhando que decorria o «imperativo da mais ampla garantia de autonomia».
«O nosso CSM de há muito que tem vindo a trabalhar em condições muito limitativas, o que ressalta vivamente na comparação com vários dos seus congéneres» europeus, disse Alberto Costa.
Para o governante, «o objectivo desta iniciativa legislativa é, por um lado, proporcionar as condições necessárias para um melhor desempenho e, por outro, dar expressão plena à garantia constitucional que a existência do CSM representa, consagrando a sua autonomia administrativa e financeira».
«Autonomia administrativa e financeira que até agora nunca existiu, nem mesmo quando passou a estar prevista na lei a autonomia dos tribunais superiores», salientou Alberto Costa."
Fonte: Diário Digital
Comentário:
O art. 203º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) afirma, de forma clara, que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.
Em que consiste essa independência?
Importa distinguir entre a independência política (ou funcional) e outra de natureza administrativa e financeira, estando ambas relacionadas tanto no plano ontológico, como axiológico.
A independência política do Poder Judicial encontra-se ligada ao exercício da função jurisdicional: «Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo» (art. 202º da C.R.P.).
Nestes termos, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
O papel político dos tribunais compreende-se, por conseguinte, como garante do Estado de Direito.
Desenvolvendo este conceito, conclui-se (embora para M.S.T. isso não pareça óbvio – antes pelo contrário -) que competirá aos tribunais, designadamente, defender a liberdade dos cidadãos contra o arbítrio de qualquer outro poder - incluindo o poder executivo -.
Por isso, é evidente que os tribunais não devem, nem podem depender, quanto aos seus meios operacionais, dos poderes de quem possa ser «parte interessada» na resolução dos litígios, sob pena de comprometer a sua independência.
Demonstração:
Imagine o leitor – apenas para efeitos de demonstração teórica do conceito, não havendo a menor suspeita que os dados da hipótese tenham ou possam vir a ter qualquer expressão na realidade nacional – que um qualquer Governo rosa, laranja, vermelho, azul ou verde pretende extinguir, ilegalmente, o vínculo à função pública, de uma centena de milhar de funcionários públicos.
Para evitar – pelo menos até ao fim da legislatura – que o recurso dos lesados aos tribunais administrativos comprometesse os efeitos positivos para a diminuição do défice das contas públicas, o «Cardeal Richelieu» do regime introduziria o caos nesses tribunais.
Para isso, abusando do seu poder executivo, instalaria nesses tribunais um sistema informático inoperante – cuja eficácia seria, contudo, convenientemente atestada por um estudo por si encomendado -, ou diminuiria os quadros de magistrados e funcionários ou não pagaria as despesas de manutenção, segurança e funcionamento das respectivas instalações.
Deste modo, ficaria assegurado o absolutismo.
O poder executivo deixaria de ter a sua actuação limitada pelo princípio da legalidade: os tribunais não teriam capacidade para reprimir a violação da legalidade democrática.
Não existe suspeita que isso venha a acontecer.
Mas subsiste o risco.
Em Portugal, os edifícios, os equipamentos e o apoio administrativo dos tribunais sem autonomia administrativa e financeira são assegurados (de forma, infelizmente, insuficiente), pelo poder executivo.
Os riscos e as consequências nefastas daí resultantes para a população chegam a ser sentidos pelos utentes dos tribunais: poucos serviços do Estado haverá, em que o conforto e as condições de atendimento dos utentes, os procedimentos administrativos e as instalações tenham mudado tão pouco nos últimos cinquenta anos, como os tribunais.
Basta olhar, ver e reparar.
Conclusão:
A independência política dos tribunais encontra-se estreitamente associada à independência administrativa e financeira dos mesmos.
A independência administrativa – ligada ao “autogoverno da magistratura” – consiste na aptidão do poder judicial gerir, com autonomia, os elementos pessoais e os meios materiais e financeiros imprescindíveis para o exercício da função judicial – neste sentido, entre outros, o Professor José de Albuquerque Rocha, in Estudos sobre o Poder Judiciário, São Paulo, Malheiros, 1995 -.
Os principais factores de ineficiência da administração da justiça, em Portugal, estão relacionados com a falta de independência administrativa dos Tribunais, que limita a sua independência política (lato sensu).
A Lei Orgânica do Conselho Superior da Magistratura, prevendo a sua autonomia administrativa e financeira, segundo o modelo proposto na Assembleia da República, constituirá um passo importante no sentido da consolidação do Estado de Direito Democrático.
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