2013-07-24
Processo sumário inaplicável a crimes de pena máxima superior a cinco anos de prisão...
... segundo um acórdão da 3ª Secção do Tribunal Constitucional, proferido no processo nº 403/2013, cujo dispositivo se transcreve de seguida:
Nestes termos, decide-se:
a) julgar inconstitucional a norma do artigo 381º, n.º 1, do Código de
Processo Penal, na redação introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, na
interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a
crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de
prisão, por violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição;
b) em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão
recorrida.
Lisboa, 15 de Julho de 2013.
Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro –
Maria Lúcia Amaral.
Reproduz-se, de seguida, a parte essencial da fundamentação da decisão:
«(...) A forma de processo sumário corresponde a um processo acelerado quanto aos
prazos aplicáveis e simplificado quanto às formalidades exigíveis.
Como princípio geral, vigora a redução dos atos e termos do julgamento ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa (artigo 386º, n.º
2).
Como decorrência desse critério geral, as especificidades do regime
processual consignadas nos artigos 382º e seguintes do CPP refletem algumas limitações
quanto à possibilidade de adiamento da audiência de julgamento, ao uso dos
meios de prova e aos prazos em que a prova poderá ser realizada, e ainda em
matéria de recursos, além de que preconizam o abandono do ritualismo de certos
atos processuais em benefício de uma maior acentuação do caráter de oralidade.
O início da audiência de julgamento tem lugar no prazo máximo de quarenta e
oito horas após a detenção, podendo ser protelado até ao limite do 5.º dia
posterior à detenção, quando houver interposição de um ou mais dias não
úteis, até ao limite do 15.º dia posterior à detenção, nos casos
previstos no n.º 3 do artigo 384.º ou até ao limite de 20 dias após a detenção,
sempre que o arguido tiver requerido prazo para preparação da sua defesa ou o
Ministério Público julgar necessária a realização de diligências essenciais à
descoberta da verdade (artigo 387º, n.ºs 1 e 2).
As testemunhas são sempre a apresentar, salvo quando haja lugar a novas
diligências de prova e tenham sido notificadas pelo MP, sendo que a falta de
testemunhas não dá lugar a adiamento da audiência, exceto se o juiz considerar
o depoimento imprescindível para a descoberta da verdade e boa decisão da causa
(artigo 387º., n.ºs 3, 4 e 7).
A produção de prova está sujeita a limites temporais (artigo 387º, n.ºs 9 e 10).
O Ministério Público pode substituir a apresentação da acusação pela
leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção, exceto
em caso de crime punível com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a
5 anos, ou em caso de concurso de infrações cujo limite máximo seja superior a
5 anos de prisão, situação em que deverá apresentar acusação (artigo 389º, n.º
1).
A sentença é proferida oralmente, salvo se for aplicada pena privativa da
liberdade ou, excecionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem
necessário, caso em que o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por
escrito e procede à sua leitura (artigo 398º, n.ºs 1 e 5).
Só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao
processo (artigo 391º, n.º 1), sendo que, por contraposição com os acórdãos
finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo, não há
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões condenatórias do juiz
singular ainda que apliquem pena de prisão superior a 5 anos (artigo
432º, alínea c)).
6. Como o Tribunal Constitucional tem reconhecido, o julgamento através do
tribunal singular oferece ao arguido menores garantias de defesa do que um
julgamento em tribunal coletivo, desde logo porque aumenta a margem de erro na
apreciação dos factos e a possibilidade de uma decisão menos justa (entre
outros, os acórdãos n.ºs 393/89 e 326/90). E por razões inerentes à própria
orgânica judiciária, o tribunal singular será normalmente constituído por um
juiz em início de carreira com menor experiência profissional, o que poderá
potenciar uma menor qualidade de decisão por confronto com aquelas outras
situações em que haja lugar à intervenção de um órgão colegial presidido por um
juiz de círculo.
Daí que a opção legislativa pelo julgamento sumário deva ficar sempre
limitada pelo poder condenatório do juiz definido em função de um critério
quantitativo da pena aplicar, só assim se aceitando – como a jurisprudência
constitucional tem também sublinhado – que não possa falar-se, nesse caso, numa
restrição intolerável às garantias de defesa do arguido.
Acresce que a prova direta do crime em consequência da ocorrência de
flagrante delito, ainda que facilite a demonstração dos factos juridicamente
relevantes para a existência do crime e a punibilidade do arguido, poderá não
afastar a complexidade factual relativamente a aspetos que relevam para a
determinação e medida da pena ou a sua atenuação especial, mormente quando
respeitem à personalidade do agente, à motivação do crime e a circunstâncias
anteriores ou posteriores ao facto que possam diminuir de forma acentuada a
ilicitude do facto ou a culpa do agente.
E estando em causa uma forma de criminalidade grave a que possa
corresponder a mais elevada moldura penal, nada justifica que a situação de
flagrante delito possa implicar, por si, um agravamento do estatuto processual
do arguido com a consequente limitação dos direitos de defesa e a sujeição a
uma forma de processo que envolva menores garantias de uma decisão justa.
Como se deixou entrever, o princípio da celeridade processual não é um
valor absoluto e carece de ser compatibilizado com as garantias de defesa do
arguido. À luz do princípio consignado no artigo 32º, n.º 2, da Constituição,
não tem qualquer cabimento afirmar que o processo sumário, menos solene e
garantístico, possa ser aplicado a todos os arguidos detidos em flagrante
delito independentemente da medida da pena aplicável.
Tanto mais que mesmo o
processo comum, quando aplicável a crimes a que corresponda pena de prisão
superior a cinco anos, dispõe já de mecanismos de aceleração processual por
efeito dos limites impostos à duração de medidas de coação que, no caso, sejam
aplicáveis (artigos 215º e 218º do CPP).
A solução legal mostra-se, por isso, violadora das garantias de defesa do
arguido, tal como consagradas no artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.»
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