2012-01-25

 

Sobre o novo mapa judiciário



"(...) Sobre o balanço das comarcas piloto em funcionamento do mapa judiciário em vigor, a ministra da tutela respondeu que esta "avaliação não é feliz".

Argumentou que "apesar do aumento de recursos, as pendências aumentaram para além de não terem nenhuma aderência àquilo que é a realidade social e a organização judiciária, como o processo, devem refletir aquilo que é o social, a sociedade".

Em 20 de dezembro de 2011, a Lusa noticiou que, segundo a revisão do memorando de entendimento da 'troika', o projeto do novo mapa judiciário seria apresentado em janeiro, estando previsto que o projeto lei seja apreciado no Parlamento no fim de setembro.

O projeto apresentado pelo Ministério da Justiça deverá receber o contributo dos parceiros judiciários até ao fim de maio para que a proposta de diploma dê entrada no Parlamento no final de setembro."

Fonte:  Diário de Notícias/Lusa





Comentário:

Recordamos, a propósito deste tema,  algumas das nossas conclusões no Colóquio  subordinado ao tema «Reorganização judiciária em debate», cuja súmula pode ser lida de seguida:









Síntese das principais conclusões

1. A instalação das comarcas piloto foi marcada por erros e um aumento significativo das suas pendências, apesar do aumento de meios;
 
Quanto às comarcas piloto do Baixo Vouga e do Alentejo Litoral, já instaladas, concluiu-se que aumentaram a sua pendência em cerca de 20% em menos de um ano após a sua instalação, evidenciando falhas na sua concepção e instalação, além de soluções de organização judiciária irracionais no plano da gestão de recursos humanos, processuais e financeiros.
Aquilo que realmente importava assegurar ao nível da gestão dos recursos humanos não foi garantido pela reforma legislativa: os oficiais de justiça continuam a estar dependentes da D.G.A.J., não estando sob a direcção e disciplina do poder judicial.

Os quadros de magistrados foram reforçados na comarca do Baixo Vouga em cerca de 40% aquando da implementação desta circunscrição. Em relação ao Ministério Público, assinala-se uma drenagem dos recursos humanos no interior do país (tendo dezenas de Comarcas ficado desprovidas de magistrados do Ministério Público, com repercussões muito negativas na operacionalidade dos respectivos tribunais e serviços do M.P.), de modo a permitir o preenchimento dos quadros alargados nas comarcas piloto, onde, em parte, acabaram por ficar subaproveitados.

No tocante aos Juízes-Presidentes das Comarcas, estes não possuem os poderes legais, nem os meios informáticos necessários para uma gestão efectiva, nem lhes foi proporcionada a formação necessária para o exercício do cargo – o mesmo tendo sucedido em relação aos Procuradores Coordenadores e Administradores Judiciários -.

Recordando a experiência muito negativa dos Tribunais Administrativos (e Fiscais) de Círculo - em que existe uma forte relação de subordinação funcional dos juízes ao seu Presidente - alerta-se para os perigos de uma possível futura alteração legislativa que possa ampliar os poderes do Juiz Presidente nas comarcas, de um modo que viole a independência interna do poder judicial, uma vez que o Estatuto dos Magistrados Judiciais não permite a existência de hierarquia entre juízes, ou seja, não podem existir juízes que dêem ordens ou instruções a outros colegas, apenas existindo hierarquia entre tribunais de instâncias diferentes.

Foram instalados juízos especializados sem a colocação de juízes, obrigando à agregação de juízos - em número de seis na Comarca do Baixo Vouga e um na Comarca de Alentejo Litoral - com prejuízo para a anunciada especialização e concorrendo para uma gestão irracional dos meios humanos.

Em relação à comarca do Alentejo Litoral, importa ainda assinalar a especial onerosidade que representa a deslocação de partes, testemunhas e advogados oriundos das freguesias de Sabóia e de Pereiras-Gare do município de Odemira, ao Juízo Misto do Trabalho e de Família e Menores, sediado em Sines (uma deslocação de cerca de 200 quilómetros, ida e volta). Não existindo qualquer transporte colectivo de passageiros viável e tendo as populações destas freguesias um rendimento bruto per capita dos mais baixos do país, tal conjugação de factores gera naturais dificuldades de acesso à justiça de família e menores e laboral por parte das populações dessas freguesias.

2. A realidade processual do Algarve
Nos tribunais judiciais do distrito de Faro entraram, em 2009, 8.860 processos por cada 100.000 habitantes, o que constitui cerca de 50% mais do que a média nacional.
Segundo o mais recente relatório da CEPEJ (Comissão Europeia Para a Eficácia da Justiça), organismo do Conselho da Europa, desenvolveu-se uma disparidade de procura de tutela jurisdicional entre Portugal e os restantes países da União Europeia, registando-se as seguintes médias de entrada de novos processos por 100.000 habitantes: 292 processos na Noruega, 1926 em Espanha, 2862 em França, 3738 na Alemanha e 5966 em Portugal.
No distrito de Faro, entraram no ano passado 8.860 processos por cada 100.000 habitantes, o que constitui cerca de 50% mais do que a média nacional. Tendo em conta a população residente, existe uma pendência actual de 28.536 processos por cada 100.000 habitantes nos tribunais judiciais do Algarve.
Com o mesmo número de oficiais de justiça que existe na Comarca do Baixo Vouga, a globalidade dos tribunais judiciais do distrito de Faro tem de tramitar o correspondente a 237% do volume processual existente naquela Comarca
Os processos judiciais pendentes no Algarve correspondem a 237% do número de processos existentes na comarca do Baixo Vouga. Porém, somando o número de todos os oficiais de justiça que trabalham nos vários tribunais do distrito de Faro, o seu número equivale, sensivelmente, ao número de funcionários existente nessa comarca do Baixo Vouga, o que representa um volume brutal de serviço (2,5 x o número de processos existente na Comarca do Baixo Vouga) para todos quantos trabalham nos tribunais judiciais algarvios.

3. Proposta de soluções

Tendo em conta a experiência negativa das comarcas piloto, importa ter especiais preocupações ao equacionar formas de reorganização para as demais circunscrições territoriais, em especial no distrito de Faro, atento o volume de serviço existente.
Para as comarcas da região do Algarve sugere-se, como solução minimalista, que seja criado e instalado um Juízo novo (com quadro próprio de magistrados e de oficiais de justiça) em cada um dos tribunais em que exercem funções os actuais juízes e magistrados do Ministério Público auxiliares. Isso permitiria aumentar de forma muito expressiva a sua capacidade de resposta e optimizar o aproveitamento dos recursos humanos e materiais existentes – não sendo necessária, para o efeito, a instalação das comarcas do Sotavento e do Barlavento Algarvio.

Além disso, justifica-se a criação de juízos especializados em matéria de execuções (para fazer face às mais de 40.000 execuções pendentes no Algarve), de comércio e de instrução criminal, visando uma maior operacionalidade, além de três DIAPs (Departamentos de Investigação e Acção Penal) – em Faro, Portimão e Loulé -.

Torna-se necessária a publicação de um novo Estatuto dos Funcionários Judiciais, no qual se preveja a criação de uma "Bolsa de Oficiais de Justiça", um instrumento legal que será indispensável para fazer face a volumes extraordinários e temporários de serviço – desde que, obviamente, sejam admitidos os oficiais de justiça em número suficiente que satisfaçam, minimamente, as necessidades do país – a este respeito recorda-se que, segundo dados do próprio Ministério da Justiça, faltam entre 800 e 1200 novos oficiais de justiça para preencher os quadros nacionais - número cujo agravamento se prevê já no fim deste ano com a aposentação prevista de cerca de 300 funcionários judiciais –.

Quanto à acção executiva – que constitui um verdadeiro cancro da justiça portuguesa, causado pela reforma processual da acção executiva iniciada em 2003 -, a qual gera fortes repercussões na organização judiciária, sugere-se uma mudança do seu paradigma processual, em que o Juiz recupere o papel de responsável pela tramitação do processo e pela ordenação dos actos a praticar, criando-se depósitos públicos para os bens móveis e assegurando-se meios operacionais necessários ao transporte daqueles. Poderia ser instalado um sistema informático de gestão e de venda periódica dos bens penhorados, a nível distrital ou nacional, admitindo licitações online, inclusivamente, por particulares registados.
O agente de execução desempenharia as suas funções na dependência do juiz titular do processo. Se tal não se mostrar suficiente para optimizar os resultados operacionais, deverá ser recuperada a intervenção de oficiais de justiça nas diligências externas, como sucedia nas acções executivas antes da reforma.


O Colóquio teve os conteúdos a seguir reproduzidos:

Colóquio «Reorganização judiciária em debate»

 

O Fórum Permanente Justiça Independente organizou no dia 19 de Novembro de 2010, no salão nobre da Câmara Municipal de Faro, o Colóquio Reorganização judiciária em debate, que contou na sessão de abertura com a presença do Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Faro, Engº. Macário Correia e na sessão de encerramento com a presença de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado da Justiça Dr. João Correia.
 
Discursos e Intervenções:

 
A experiência das duas Comarcas-Piloto

pdf Comunicação da Dra. Maria João Barata dos Santos 170.36 Kb Juíza-Presidente da Comarca do Alentejo-Litoral
pdf Comunicação do Dr. Raúl José Cordeiro 193.49 Kb Juiz de Direito - Afectação Exclusiva em julgamentos em processo colectivo - Baixo Vouga.

 
Perspectivas sobre a reorganização judiciária no distrito de Faro
 
pdf Comunicação do Dr. António Cabrita 121.02 Kb Presidente do Conselho Distrital de Faro da Ordem dos Advogados
pdf Comunicação da Dra. Lídia Pereira 130.45 KbProcuradora-Adjunta no Tribunal Judicial de Faro


Sessão de Encerramento
 
pdf Discurso de Encerramento 353.04 Kb  Dr. Jorge Langweg, Juiz de Círculo - Círculo Judicial de Faro

pdf Síntese das Conclusões 95.73 Kb
 

 

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