2010-10-30

 

Orçamento de Estado pode impedir o C.S.M. de pagar despesas correntes

Em entrevista dada por escrito, o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) Juiz-Conselheiro Bravo Serra, alerta que, com a «desculpa da crise», os magistrados não podem ser vítimas de medidas «desiguais ou desproporcionadas relativamente a outros órgãos de soberania». E avisa que as medidas anunciadas pelo Governo – de corte nos vencimentos, nos subsídios e no acesso à reforma – transformarão os juizes em funcionários públicos.

- Que consequências terá o OE- -2011 na parte relativa ao CSM?

- Com os plafonds que foram atribuídos, o Conselho não poderá prosseguir de forma cabal todo o elenco de competências que a lei lhe impõe. Com um corte de verbas situado em mais de 900 mil euros, coloca-se, inclusivamente, a plausibilidade de não poder satisfazer sequer os encargos de remunerações e de despesas correntes certas e permanentes. E, assim, Ficarão gravemente afectadas as actividades legalmente atribuídas ao CSM – com uma também grave repercussão na gestão e disciplina da magistratura judicial e inerentes reflexos na administração da Justiça em geral.

- Como encara o corte anunciado nos vencimentos e a diminuição excepcional de 20% no subsídio de renda de casa (quando o corte previsto nestes subsídios para os outros profissionais do Estado é de 10%)?

- Muito embora até ao momento o CSM não tenha, enquanto órgão institucional, tomado qualquer posição sobre a matéria – e muito embora também pessoalmente entenda que quem veja diminuído o valor líquido das suas remunerações certamente ficará eivado de um sentimento de desconforto -, não posso deixar de assinalar que, numa situação de crise como a que se vive, a partir do momento em que a política governamental envereda por fazer cortes nos vencimentos dos titulares dos órgãos de soberania e dos funcionários e agentes da administração pública, os magistrados não se podem colocar numa situação de exigência de que, quanto a eles, não haja reduções de remuneração. A questão que se coloca, porém, é a de que não haja, em relação aos juizes, que são titulares dos órgãos de soberania Tribunais, a adopção de medidas que, perspectivadas no seu todo, se apresentam como desiguais ou desproporcionadas relativamente aos demais titulares dos órgãos de soberania. E que, a coberto de uma ‘desculpa’ em nome da grave situação financeira, se pretendam introduzir alterações estatutárias que, porventura sem grande relevo global nas contas do Estado, vão acentuadamente contender com os direitos, garantias, deveres e postura constitucional e legal dos mesmos magistrados.

- Como responde a quem afirma que o subsídio de renda de casa é um privilégio injustificável para quem já tem ordenados acima da mádia?

- Contrariamente ao que tem sido propalado, as remunerações dos magistrados portugueses não estão num patamar superior às de grande parte dos países da União Europeia. Poderão, porventura, por referência aos designados ‘ordenados mínimos’ nacionais, ter um rácio algumas vezes mais elevado. Contudo, é necessário ter em conta os montantes dos diversos ’salários mínimos’ – o que, demagogicamente, não tem sido tido em conta. Por outro lado, o subsídio de compensação [renda de casa] era exactamente uma compensação para as situações em que o Estado não cumpria o dever de fornecer habitação aos magistrados (através das chamadas ‘casas de função’), aos quais impunha o dever de terem domicílio na localidade-sede do Tribunal. Neste contexto, é também demagógico falar-se em «privilégio injustificável».

- Mas faz sentido os magistrados jubilados também terem esse subsídio, tendo em conta que não estão já em funções?

- O estatuto da jubilação também não é um privilégio. Arriscar-me-ia até a dizer que, como os juizes com o estatuto de jubilado estão sujeitos aos mesmos deveres dos magistrados no activo (estando-lhes vedado o desempenho de outras actividades, ao contrário dos aposentados), a jubilação visa primordialmente defender a independência e imagem da própria magistratura. Daí a equiparação remuneratória dos magistrados jubilados aos do activo, sendo de assinalar que, como resulta do já exposto, o vigente subsídio de compensação, em termos laborais não pode ser visualizado senão como uma componente remuneratória.

- Acha que as alterações que o Governo se propõe fazer no estatuto dos juizes (nomeadamente, os subsídios e a jubilação, com o aumento da idade mínima) põem em causa a independência dos magistrados e dos tribunais?

- As alterações ao estatuto têm de ser feitas com todas as cautelas e precedidas de auscultação ao CSM: estamos a falar de um estatuto de titulares do órgão de soberania Tribunais e a que a Constituição garante a respectiva independência interna e externa. Por vezes, pequenas alterações podem ter repercussões acentuadas e contender com aquela garantia ou com uma ‘funcionalização’ – ou seja, uma demasiada aproximação a regras que seriam próprias dos demais trabalhadores e agentes da administração do Estado, o que, seguramente, a Constituição não quis. A acontecerem tais situações, poderá estar-se a enveredar por um caminho que pode ser conflituante com o estatuto constitucional dos juizes – e, logo, da garantia constitucional da independência dos Tribunais.

- Que repercussão vai ter este OE na justiça em geral?

- As constrições orçamentais que se anunciam vão causar graves, se não mesmo gravíssimas dificuldades na administração da Justiça. Enquanto se mantiver o actual quadro jurídico substantivo e processual, as carências de funcionários, de instalações, de magistrados e da gestão destes terão, inequivocamente, um enorme reflexo. Isto ainda será mais agravado se, também por restrições orçamentais, não vier a ser equacionada uma curial reorganização judiciária. Não se pode continuar a dizer que a Justiça é uma prioridade por que é um dos principais problemas do País, e depois, contraditoriamente, não se lhe atribuir os meios financeiros necessários para que deixe de ser um problema.

- Partilha da posição do presidente da associação sindical dos juizes, António Martins, de que as medidas anunciadas são uma «retaliação» por causa de decisões judiciais em certos processos incómodos para o Executivo?

- Eu parto do princípio de que todos os titulares dos órgãos de soberania, independentemente de quem eles pessoalmente sejam, uma vez investidos em tais funções hão-de pautar a sua acção com isenção e independência. Isto significa que não se hão-de mover por outros interesses que não estes, aditados ao de preservação dos superiores interesses do Estado. Perante esta posição, e à míngua de factos concretos que porventura demonstrassem o contrário, não posso partilhar da posição assumida pelo presidente da associação sindical – sendo certo que não sei se o mesmo disporá de conhecimento de factualidade que o teria conduzido a emitir essas declarações.

Ana Paula Azevedo


Fonte: jornal semanário «Sol», edição de 29.10.2010

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