2007-09-16

 

Silogismos da reforma da justiça penal portuguesa


Imagem: Cerâmica da autoria de Dario Malkowski (1992), designada «Justitia hoje»
De uma actualidade impressionante... repare bem...

Através de três diplomas - Código Penal, Código de Processo Penal e lei que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal - o legislador introduziu alterações significativas no sistema português de administração da justiça penal.

Já muito foi escrito na imprensa e na
blogosfera, fazendo sobressair, sobretudo, as dificuldades de aplicação prática da reforma legislativa ou, mesmo, de diversas incongruências entre alguns dos novos normativos.

Mas tudo isso parece não sensibilizar os concidadãos.

Segundo noticiado na edição online do 'Público', o Presidente da República afirmou que «
O novo Código de Processo Penal "foi amplamente discutido na Assembleia da República, foram ouvidos todos os operadores judiciais, não suscitou grande controvérsia no Parlamento e foi aprovado pelos maiores partidos portugueses

Sem discutir a probidade dos Senhores Deputados da Assembleia da República, atrevo-me a sugerir que se faça um trabalho jornalístico traduzido numa sondagem, junto dos parlamentares, para descobrir quantos, efectivamente, estão a par do conteúdo da nova legislação.

O Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa ainda vai mais longe, ao comentar, a respeito da reforma penal - conforme reproduzido no Diário de Coimbra, que se verifica"(...) uma situação generalizada de desconhecimento relativamente ao próprio conceito de Estado de Direito (...), extensível ao interior dos partidos".

Se assim é, como é que os partidos políticos podem alterar, com algum conhecimento de causa - e a adequada sensibilidade -, a legislação que condiciona a administração da justiça penal, pondo em perigo a segurança e a liberdade dos cidadãos?

Poderá responder-se, em função dessa observação, que os profissionais do foro - forçosamente com conhecimento técnico e pessoal dos assuntos - tiveram oportunidade para chamar a atenção do legislador, pedindo a correcção dos erros flagrantes constantes da nova legislação: porém, a dúvida que deve ser colocada é se os seus contributos foram, ou não, considerados. A resposta está publicada. Basta consultar os escritos das diversas organizações e confrontá-las com o novo texto legal.

Para alterar, fundamentadamente, um sistema de administração da justiça penal não basta recolher «opiniões» e «posições» desprovidas de fundamento científico.

Já há quem acuse o legislador de ter feito aprovar uma legislação como reacção corporativa de alguns parlamentares e outros políticos, em defesa de certos interesses inconfessados. Para isso, terão feito um «pacto de regime», em prejuízo da independência dos tribunais e da segurança jurídica.

Ora, se houvesse fundamento científico para as opções legislativas, tais acusações seriam liminarmente rejeitadas.


Sobretudo em áreas tão sensíveis como a administração da justiça penal, o acto de legislar deve ser precedido de estudos científicos que habilitem o legislador com os dados que lhe permitam fazer as opções legislativas mais adequadas aos problemas revelados por aqueles.

As opções de política legislativa consagradas na nova legislação não resultam de exigências baseadas em estudos científicos.

Mesmo do ponto de vista estritamente jurídico, a redacção de alguns preceitos evidencia manifesta falta de rigor, havendo mesmo alguns em contradição com outras normas.

Se alguém se preocupar em conhecer os argumentos que moldaram a actual configuração das normas contidas no Código de Processo Penal e no Código Penal, não terá modo de reconstituir, de forma fidedigna, as diversas soluções em confronto, nem atribuir qualquer autoria material - o mesmo é dizer responsabilidade - pelas soluções adoptadas: não houve Comissão Revisora, nem se prevê a publicação das actas (inexistentes?) da estrutura governamental que teve por Missão a Reforma Penal.

Estranhamente, em diplomas tão importantes como aqueles que alteraram profundamente o Código de Processo Penal e o Código Penal, nem sequer foi publicado qualquer preâmbulo nos textos legislativos reformadores. Assim, o intérprete vê-se limitado no número de elementos de interpretação disponíveis.

Importa, pois, descobrir a racionalidade da reforma, com base, exclusivamente, nas normas contidas nos diplomas, o que nem sempre constitui tarefa fácil, por se registarem algumas incongruências evidentes.

Em suma, são esperados muitos problemas práticos originados pelos novos diplomas.

Os cidadãos é que serão prejudicados, porque as consequências da falta de segurança jurídica resultantes da reforma penal já se fazem anunciar de forma particularmente intensa, em prejuízo da paz social.

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