2012-12-18

 

Sobre o processo civil experimental



«Processo civil experimental

As opiniões sobre o processo civil experimental recolhidas durante a fase de entrevistas variam consoante a posição do entrevistado no sistema judicial.

Em geral, as empresas são favoráveis ao regime experimental, considerando que está a ter bons resultados.

“O processo experimental está no bom caminho. E se os juízes tiverem formação, eu acho que eles conseguem gerir os processos.” (empresa)

O tribunal do Porto é apresentado como um bom exemplo da aplicação do processo civil experimental. As empresas referem como positiva a desburocratização do processo.

“Sim, trouxe um exemplo também do processo, do Porto claro! E de facto é muito positiva, aquelas questões que nós estivemos a falar da burocratização excessiva, ficam ultrapassadas neste processo e isso facilita. Mais uma vez estamos a falar de exemplos que são processos simples e que não obrigam a ter complexidade desnecessária.” (empresa)

No entanto, para os empresários, a adoção generalizada do processo civil experimental teria a ganhar com alguns acertos.

“A nossa perspetiva é que foi uma alteração positiva com ligeiros acertos que vale a pena adotar. E  esses acertos prendem-se com aquelas questões que falámos há pouco, do rol de testemunhas e da obrigatoriedade de apresentação dos documentos junto com os articulados. É uma forma positiva e, como tal, é de adotar o regime experimental.” (empresa) 

Para os juízes entrevistados, o processo civil experimental apresenta várias vantagens comparativamente ao processo civil, por permitir uma maior maleabilidade da tramitação processual.
 
“Vantagens. É a maleabilização da tramitação processual, o reforço dos poderes dos juízes. Não tenho visto nos processos muitas razões para se criticar o modo como foi tramitado. Embora se deixe uma maior margem de liberdade para os juízes na gestão do processo, estes são pessoas razoáveis e se o processo for conduzido de forma razoável e se forem garantidos os direitos das partes, contraditório, etc. Não ouvi grandes razões de queixa em relação ao modo como os juízes dirigiram os processos. Se
houvesse razões, seguramente acho que os advogados também não deixariam de o criticar no próprio processo.” (juiz)

No entanto, os juízes compreendem os possíveis receios dos advogados, que consideram que os juízes, com esta nova forma de tramitação, ganham novos poderes. Assim, um dos juízes entrevistados considera que devem ser indicados pontos mínimos e máximos para que os advogados possam organizar as suas alegações com maior controlo.

“Eu não o apliquei porque aqui não o aplicamos. Mas estudei-o e acho que o que de mais interessante tem é esta questão do poder/dever de gestão processual. Quanto ao feedback que tive por parte da advocacia posso dizer que os advogados têm um bocado de receio deste poder/dever de gestão processual, porque alegadamente não sabem bem quais as regras do jogo, se o juiz vai dar muito prazo, se vai dar pouco prazo. Eu compreendo porque, se estivesse na pele de um advogado, também gostava de ter mais segurança quanto às regras do jogo. Daí que eu diga que deve haver um poder/dever de gestão processual com balizas mínimas e máximas e, portanto, já se perde um bocado esta reserva quanto ao poder/dever de gestão processual.” (juiz)

Entre os organismos de representação, as opiniões variam. Para um dos organismos entrevistados é importante a realização de uma avaliação à implementação do regime processual civil experimental antes de avançar com a sua generalização.

“Os interesses que devem ser salvaguardados são sobretudo os interesses de se ir avaliar a situação do regime processual civil experimental que nunca foi feito, eventualmente alargá-lo, verificando se funciona bem.”
(organismo de representação)

Outro organismo de representação refere que o processo civil experimental apresenta soluções positivas e, por esse motivo, deve ser implementado a nível nacional.

“Acho que foi uma experiência positiva, daquilo que eu conheço. Acho que devia ser alargado, devia-se experimentar mais. Pareceu-me que tinha soluções positivas e aspetos que deviam avançar.” (organismo de representação)

Para outro organismo de representação, o processo civil experimental foi longe demais, pois, na sua opinião, não se deve alterar nada do processo civil tal como existe e é praticado.

“Foi longe demais na agilização de processos. O processo civil não tem que ser experimental. O processo civil é este: é um processo de partes, o objeto do litígio é disponível, as partes podem transigir a qualquer momento. mas as partes têm domínio do processo. Qual é o papel do juiz? Impedir que a parte mais forte, que é geralmente a que tem contas a prestar, esteja ali a manobrar. Isto faz-se num mês ou dois se tivermos magistrados motivados. Processo civil experimental porquê?” (organismo
de representação)

Entre os advogados encontramos as opiniões mais negativas. Apenas um dos advogados entrevistados se mostra favorável à nova forma de organização processual, considerando que esta simplifica a fase escrita, podendo trazer benefícios na condução mais célere dos processos. “Devo ser a única pessoa que diz isto, no geral, não vi que fosse muito problemático. Eu não tenho muita  experiência do processo experimental, mas das experiências que tive, e no fundo o que estamos agora a fazer é a transpor do regime experimental para o geral. Simplicidade, uma fase escrita mais simples. Essencialmente simplicidade, e o processo pode ser mais célere se for bem utilizado. (advogado)
 
Relativamente às críticas, há quem censure as experiências na Justiça, que contribuem para confundir o trabalho dos advogados mais do que para melhorar as suas práticas e o funcionamento judicial no seu todo.

“Qual é a única ideia certa que eu tenho? Aqui, num processo qualquer, tenho prazo para contestar, preciso de saber quantos dias é que são, só! E que numa decisão qualquer posso recorrer, ou agora, ou mais à frente. Poderei eventualmente ter que levantar a bandeirinha a dizer ‘quero recorrer’, mas ou agora ou mais tarde. Têm que existir estas noções básicas, no resto estamos a criar baralhadas atrás de baralhadas. Odeio essas questões dos experimentais.” (advogado)

Outra das críticas mais referidas pelos advogados é a coexistência de dois regimes, o que obriga o advogado a estudar e a aplicar regras diferentes consoante a comarca em que apresenta ou em que defende um processo.

“Sim trabalhei, mas não resultou. Logo para começar acho mal ser experimental, haver alguns sítios que uma pessoa tem de fazer de uma maneira e noutros noutra, acho mal. Pôr à experiência, ver se resulta. As pessoas têm de estudar a lei, definir qual é a lei e a lei ser universal, o sistema ser universal, não pode haver regras diferentes. Por exemplo, numa comarca tenho de fazer um articulado em que digo logo quais são as testemunhas e quais são os factos e os artigos em que cada  testemunha responde e noutras não, isto não pode ser. E percebe-se que o sistema que está no regime experimental é claramente excessivo porque o que é que se ganha de tempo em pôr lá umas testemunhas e dizer quais são os factos? Nada. Eu tenho de estar a antecipar antes de conhecer o que o outro vai lá dizer, os documentos que vai juntar, a versão dele, tenho de estar a distribuir a
prova.” (advogado)

Guidelines do juiz

A possibilidade de os juízes estabelecerem as suas guidelines ou linhas de orientação processuais provoca diferentes reações entre os entrevistados. A maioria considera que a introdução de guidelines seria uma revolução processual. 

“Nós estamos muito habituados ao princípio legalista, não é? Tudo tem que estar na lei, tudo tem que estar regulado na lei, isto seria uma revolução. Acho que seria interessante ver como é que as coisas funcionavam, não sei se nos iríamos adaptar muito bem, talvez os juízes pudessem sentir um bocadinho mais dificuldade a esse nível. Porque, no fundo, os advogados aí teriam que se moldar e teriam que desenvolver a sua atividade dentro daqueles critérios que foram definidos pelo juiz. O que
significa que o juiz aí é uma peça estrutural do sistema.” (empresa)

Entre os advogados entrevistados, vários mostram-se favoráveis à ideia, por entenderem que a  introdução de guidelines iria obrigar os juízes a assumirem a responsabilidade pela condução do processo.

“Sem dúvida. Eu gostava de ter juízes, juízes! Juízes que se assumam. O processo é o processo dele. Aqui sim, aquilo que a gente às vezes vê nos filmes americanos, que é o juiz depois chama as partes, os advogados, faz a gestão. Acho que tínhamos a ganhar com isso, acho que isso fazia uma escola, fazia com que os nossos juízes fossem menos formais, fossem mais substanciais, percebessem que têm ali o domínio e o controlo do processo.” (advogado)

Um dos advogados refere, em comparação com a realidade norte-americana, a imagem do juiz como “dono” do tribunal.

“Eu gosto dos juízes americanos quando falam no ‘meu tribunal’. Aquilo é deles! E esta sensação de posse da justiça, que obviamente tem que ter contrapesos, mas é importante e, portanto, sim, o mais possível! Concordo, concordo. Sabendo que isto é polémico, concordo.” (advogado)

Entre as empresas também recolhemos opiniões positivas sobre a introdução de guidelines. Segundo os empresários, esta mudança iria implicar uma maior ação na condução processual por parte do juiz.

“Gosto da ideia. O juiz nesta fase intermédia começa a transmitir às partes as linhas de orientação sobre as quais o processo deve orientar-se. Inteiramente de acordo.” (empresa)

As opiniões contrárias recolhidas entre juízes, empresas e advogados assentam na ideia de que a introdução de guidelines, tal como são utilizadas nos tribunais norte-americanos ou nos tribunais arbitrais, não são uma boa solução para o sistema processual português, que tem uma longa tradição de leis abstratas e de aplicação geral.

“Isso creio que não, há aqui aspetos que têm a ver com a nossa tradição. Nós temos uma tradição de 300 anos de leis abstratas, gerais, que se aplicam a todos e que o juiz está sujeito às leis também. Por isso inventar aqui estas guidelines, que se usam nos tribunais americanos e que são usadas nos tribunais arbitrais, não me parece que seja muito adequado. Não se devem confundir outros sistemas, em que a tradição é diferente,com o nosso sistema mais legalista, em que se sabe quais as regras que
são aplicáveis. Isto vai dar uma maior margem ao juiz mas respeitando os princípios gerais que constam do código, creio que as guidelines são essas aí: respeitar o contraditório, a igualdade, a defesa. Não é necessário cada juiz no seu gabinete inventar mais guidelines quando elas já existem, são os princípios.” (juiz)

Entre os críticos há quem afirme que as guidelines são uma solução para um sistema judicial que não tem leis, por isso as consideram uma má solução para o sistema judicial português.

“É óbvio que cada advogado acaba por ter uma noção dos padrões que determinado juiz tem em determinado contexto. Penso que isto tem aplicação lá para os americanos e ingleses, a nós não nos preocupa tanto. Guidelines é uma solução que os Anglo-Saxónicos arranjaram para resolver um problema que é não terem lei. Nós não temos esse problema porque temos lei. O juiz neste momento, em Portugal, tem as peias da lei, não pode improvisar.” (empresa)»

Citação extraída de: Justiça Económica em Portugal – Entrevistas a empresas, advogados, juízes e entidades representativas do sector -, págs. 63 a 68  

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