2007-11-10

 

Proposta governamental ofende princípios e regras constitucionais


A respeito da tentativa de governamentalização da administração da justiça, mediante a «funcionalização» dos juízes, pode ler-se a explicação publicada aqui.

Nessa sequência, o Presidente da A.S.J.P. dirigiu uma carta aberta a Sua Excelência, o Primeiro-Ministro, cujo conteúdo foi publicado na página 8 do semanário Sol, edição desta data:

«Exm.° Senhor Primeiro-ministro

Permita-me que lhe diga que o silêncio de Vª. Exª. sobre a opção político-legislativa condensada na proposta de Lei 152/X, de incluir os juízes no regime de vinculação e carreiras dos trabalhadores da administração pública, começa a ser ensurdecedor.

Sobretudo quando no Governo e no PS se ouvem vozes divergentes, com o ministro da Justiça a afirmar que daquele diploma não decorrem efeitos sobre o Estatuto dos Juízes, ao mesmo tempo que o secretário de Estado da Administração Pública afirma que tal Estatuto será revisto com aplicação dos princípios consignados no diploma ora aprovado.

Não tenho dúvidas que os juízes exercem cargos públicos. Também o Sr. Primeiro-ministro exerce um cargo público. Mas igualmente não deveria haver dúvidas que os juízes não são, nem podem ser, funcionários públicos. Como Vª. Exª. o não é.

Porém, o que o Governo parece pretender, com tal lei, é catalogar os juízes como uma 'carreira especial da administração pública' para, depois, rever o seu estatuto, à medida do regime dos funcionários públicos. Funcionalizando-os, é claro.

O Sr. Primeiro-ministro tem obrigação de esclarecer os cidadãos, até porque ainda não está encerrado o processo legislativo, se o Governo pretende para os tribunais comuns do sistema judicial português o modelo de funcionário-juiz. Ao qual sejam criados condicionamentos, incluindo legais, que o levem a subscrever decisões, não exclusivamente pela sua sujeição à lei, mas ditadas por outras razões. Entre elas, seguramente, as 'boas' razões da administração pública.

Ou se, pelo contrário, convive em democracia, enquanto membro de um órgão de soberania, com um poder judicial separado e independente, em que os juizes têm um estatuto de titular de outro órgão de soberania, os Tribunais.Tudo isto como a nossa Constituição conforma, ao atribuir aos tribunais a competência para, com independência, e em nome do povo - e não do Governo-, administrar a justiça. E como também o recomendam os instrumentos internacionais da ONU e do Conselho da Europa, sobre o estatuto da independência do juiz.

Os cidadãos têm direito a que isto seja muito claro, até porque não houve qualquer audição nem discussão sobre a questão. Para poderem fazer as suas opções, incluindo baterem-se por um poder judicial separado e independente, em que o juiz tenha condições para não ser um mero servo dos outros poderes - políticos, económicos, sociais ou ocultos e, pelo contrário, seja um pilar essencial do Estado de Direito Democrático e a última fortaleza dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Ou mais prosaicamente, o garante da liberdade, da honra e da fazenda dos cidadãos.

António Martins
Presidente da ASJP»


(Nota: Destaques no texto produzidos, apenas, no Blog de Informação)

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