2013-03-17

 

Cláusulas abusivas nos mútuos com hipoteca; execuções









ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção) (da União Europeia)
de 14 de março de 2013 

No processo C‑415/11,



1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29, a seguir «diretiva»). 

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre M. Aziz e a Caixa d’Estalvis de Catalunya, Tarragona i Manresa (a seguir «Catalunyacaixa»), a respeito da validade de algumas cláusulas de um contrato de empréstimo hipotecário celebrado pelas referidas partes.

(...)


Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      Em 19 de julho de 2007, M. Aziz, cidadão marroquino a trabalhar em Espanha desde dezembro de 1993, celebrou com a Catalunyacaixa, por ato notarial, um contrato de empréstimo com garantia hipotecária. O bem imóvel objeto da referida garantia era a casa de morada de família de M. Aziz, da qual era proprietário desde 2003.

19      O capital emprestado pela Catalunyacaixa foi de 138 000 euros. Devia ser reembolsado em 33 anuidades, com 396 mensalidades, a partir de 1 de agosto de 2007.

20      Como resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, este contrato de empréstimo celebrado com a Catalunyacaixa previa, na sua cláusula 6.ª, juros de mora anuais de 18,75%, automaticamente aplicáveis aos montantes não pagos na data de vencimento, sem necessidade de reclamação.

21      Além disso, a cláusula 6.ª‑A do referido contrato conferia à Catalunyacaixa a faculdade de declarar exigível a totalidade do empréstimo, em caso de vencimento de um dos prazos acordados, sem que o devedor tivesse cumprido a sua obrigação de pagamento de uma parte do capital ou dos juros do empréstimo.

22      Por último, a cláusula 15.ª do mesmo contrato, que regulava as condições de liquidação, previa a possibilidade de a Catalunyacaixa não só recorrer à execução hipotecária, para recuperar uma eventual dívida, mas também de apresentar diretamente, para esse efeito, a liquidação através de uma certidão adequada com indicação do montante exigido.

23      M. Aziz pagou regularmente as suas mensalidades, de julho de 2007 a maio de 2008, mas deixou de o fazer a partir do mês de junho de 2008. Nestas condições, em 28 de outubro de 2008, a Catalunyacaixa recorreu a um notário para obter um ato de determinação da dívida. O notário certificou que resultava dos documentos apresentados e do conteúdo do contrato de empréstimo que a liquidação da dívida era de 139 764,76 euros, o que correspondia às mensalidades não pagas, acrescidas dos juros ordinários e dos juros de mora.

24      Após ter interpelado M. Aziz, sem sucesso, a Catalunyacaixa, em 11 de março de 2009, intentou uma ação executiva contra o devedor no Juzgado de Primera Instancia n° 5 de Martorell, pedindo o pagamento da quantia de 139 674,02 euros, a título principal, de 90,74 euros, a título de juros vencidos, e de 41 902,21 euros, a título de juros e custas.

25      Como M. Aziz não deduziu oposição, em 15 de dezembro de 2009, aquele órgão jurisdicional ordenou a execução. Assim, foi enviada a M. Aziz uma injunção de pagamento, que este não cumpriu nem contestou.

26      Neste contexto, em 20 de julho de 2010, foi promovida a venda do imóvel em hasta pública, não tendo sido apresentada nenhuma proposta. Por conseguinte, em conformidade com o disposto no Código de Processo Civil, o Juzgado de Primera Instancia n° 5 de Martorell admitiu a adjudicação desse bem por 50% do seu valor. O referido órgão jurisdicional fixou também para 20 de janeiro de 2011 a data em que devia ocorrer a transmissão da posse do imóvel para o adjudicatário. Em consequência, M. Aziz foi despejado do seu domicílio.

27      No entanto, pouco antes do despejo, em 11 de janeiro de 2011, M. Aziz intentou uma ação declarativa no Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona, para obter a anulação da cláusula 15.ª do contrato de empréstimo hipotecário, por considerar que a mesma tinha caráter abusivo, pedindo, em consequência, a anulação do processo de execução.

28      Neste contexto, o Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona suscitou dúvidas quanto à conformidade do direito espanhol com o quadro jurídico estabelecido na diretiva.

29      Em particular, sublinhou que se, para efeitos da execução forçada, o credor optar pelo processo de execução hipotecária, as possibilidades de alegar o caráter abusivo de uma das cláusulas de um contrato de empréstimo são muito limitadas, na medida em que as mesmas são remetidas para apreciação em processo declarativo posterior, que não tem efeito suspensivo. O órgão jurisdicional de reenvio considerou que, nestas condições, é extremamente difícil para um tribunal espanhol garantir uma proteção eficaz do consumidor no referido processo de execução hipotecária e no correspondente processo declarativo.

30      Além disso, o Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona considerou que a solução do processo principal levantava outras questões relacionadas, designadamente, com a interpretação do conceito de «cláusulas que têm como objetivo ou como efeito impor ao consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado», previsto no n.° 1, alínea e), do anexo da diretiva, e do conceito de «cláusulas que têm como objetivo ou como efeito suprimir ou entravar a possibilidade de intentar ações judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor», previsto no n.° 1, alínea q), do referido anexo. Em seu entender, não é clara a compatibilidade das cláusulas relativas ao vencimento antecipado nos contratos de longa duração, à fixação de juros de mora e à fixação unilateral pelo mutuário de mecanismos de liquidação da totalidade da dívida com essas disposições do anexo da diretiva.

31      Foi nestas condições que o Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona, tendo dúvidas quanto à correta interpretação do direito da União, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Um sistema de execução de decisões judiciais sobre bens hipotecados ou penhorados, como o previsto no artigo 695.° e seguintes [do Código de Processo Civil espanhol], que impõe limites aos fundamentos de oposição no direito processual espanhol, o que implica, formal e materialmente, um claro obstáculo ao exercício do direito, por parte do consumidor, de intentar ações judiciais ou de seguir outras vias de recurso que garantem a tutela efetiva dos seus direitos, pode ser considerado como uma clara limitação à tutela do consumidor?

2)      Pede‑se ao Tribunal de Justiça da União Europeia que esclareça o conceito de caráter desproporcionado no que respeita: 

a)      À possibilidade de vencimento antecipado em contratos que vigoram durante um longo lapso de tempo – no caso em apreço, 33 anos – por incumprimento durante um período muito limitado e concreto. 

b)      À fixação de juros de mora – no caso em apreço, superiores a 18% – que não coincidem com os critérios de determinação dos juros de mora noutros contratos com consumidores (crédito ao consumo), que noutros domínios da contratação com consumidores poderiam ser entendidos como abusivos e que, não obstante, em sede de contratação imobiliária, não têm um limite legal claro não apenas nos casos em que se aplicam a prestações vencidas mas também quando aplicados à totalidade das prestações em dívida por vencimento antecipado.

c)      À previsão de mecanismos de cálculo e de fixação dos juros variáveis – compensatórios e moratórios – determinados unilateralmente pelo mutuante, associados à possibilidade de execução hipotecária, e que não permitem que o devedor executado deduza oposição à liquidação da dívida na própria ação executiva, remetendo‑o para uma ação declarativa na qual apenas obterá uma decisão definitiva quando a execução já estiver concluída, ou, pelo menos, quando já tiver perdido o bem hipotecado ou dado em garantia, questão que assume especial relevância quando o empréstimo foi pedido para aquisição de uma casa e a execução implica o despejo do imóvel?»

(...)


Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, ao mesmo tempo que não prevê, no âmbito do processo de execução hipotecária, fundamentos de oposição relativos ao caráter abusivo de uma cláusula contratual que constitui o fundamento do título executivo, também não permite ao tribunal que julga o processo declarativo, que é o competente para apreciar o caráter abusivo de tal cláusula, decretar medidas provisórias, como, por exemplo, a suspensão do referido processo de execução, quando a concessão dessas medidas seja necessária para garantir a plena eficácia da sua decisão final.

2)      O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que:

–        o conceito de «desequilíbrio significativo» em detrimento do consumidor deve ser apreciado através de uma análise das regras nacionais aplicáveis na falta de acordo entre as partes, para avaliar se e em que medida o contrato coloca o consumidor numa situação jurídica menos favorável do que a prevista no direito nacional em vigor. De igual modo, afigura‑se pertinente, para este efeito, proceder a um exame da situação jurídica em que se encontra o referido consumidor, atendendo aos meios de que dispõe, ao abrigo da legislação nacional, para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas;

–        para saber se o desequilíbrio foi criado «a despeito da exigência de boa‑fé», importa verificar se o profissional, ao tratar de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que ele aceitaria a cláusula em questão, na sequência de uma negociação individual.

O artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que o anexo para o qual remete essa disposição apenas contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser declaradas abusivas.

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