2006-09-11
Pacto para a reforma da Justiça: oportunidade perdida
O pacto constituiu mais uma vitória da partidocracia sobre a democracia: a corporação dos políticos, em vez de produzir actividade legislativa parlamentar com toda a transparência, segundo as regras que o próprio Parlamento aprovou, optou pela opacidade de um acordo elaborado em segredo, por meia dúzia de pessoas.
A celebração do acordo não seria grave, per se, se as partes outorgantes não tivessem já anunciado que a (necessária) discussão dos termos do acordo em sede parlamentar apenas visa a recolha de apoios e não a sua eventual correcção para encontrar soluções porventura mais eficientes.
Trata-se de uma manifestação de arrogância partidária no seu melhor, que menospreza, porque vincula, o próprio órgão de soberania com função legislativa. O Parlamento aparece reduzido a mera correia de transmissão e caixa de ressonância de algumas cúpulas partidárias. Acentua-se, ainda mais, a vertente partidocrática do regime.
Nos próximos dias - no caso de surgir tempo disponível para o efeito - alguns aspectos do «Pacto» serão analisados no Blog de Informação, adiantando-se, desde já, algumas observações:
a) a revisão do Código Penal corre o risco de - contrariamente ao desejado - aumentar a criminalidade;
b) a revisão do Código de Processo Penal revela claras insuficiências, não tendo sido devidamente aproveitadas as propostas do projecto «Tribunal XXI» que teriam como consequência um aumento significativo da eficiência da administração da justiça, acompanhado de um aumento também significativo das garantias judiciárias;
c) a mediação penal a nível nacional é inexequível a curto e médio prazo;
d) quanto à acção executiva, o aspecto positivo a salientar, com implicações a curto prazo, é... o «regresso ao passado» para os exequentes que sejam pessoas singulares, passando estas a poder recorrer aos oficiais de justiça para assegurar as funções de agente de execução;
e) no tocante à reforma dos recursos cíveis, a solução encontrada continua a não combater a litigância temerária;
f) quanto à revisão do mapa judiciário, apenas se destacam, como novidades, uma maior flexibilidade na gestão dos meios humanos e materiais, com menores custos financeiros, a extinção do Tribunal da Relação de Guimarães e a criação do Tribunal da Relação de Faro (será, mais uma vez, só no papel?...), nada sendo esclarecido quanto a aspectos essenciais e concretos da nova organização judiciária, que permitam aferir a sua adequação à realidade e, consequentemente, a sua eficácia;
g) relativamente ao regime de acesso à Magistratura, saúda-se a abolição do período de dois anos que actualmente se interpõe entre a conclusão da licenciatura e a entrada no CEJ e a filosofia de maior formação específica para a judicatura;
h) no tocante ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, apenas se constata o seguinte: i) não foi introduzido o modelo de carreira plana que ainda há poucos dias foi anunciado pelo Ministro da Justiça; ii) optou-se, sem qualquer fundamento, por excluir o C.S.M. do recrutamento dos magistrados judiciais do STJ e das Relações; iii) não se percebe, ainda, a inclusão de um Professor Catedrático no júri que apreciará publicamente os candidatos às Relações, uma vez que não está prevista a entrada de "juristas de mérito", além dos juízes, nos Tribunais de segunda instância; iiii) não foram clarificados os critérios de aferição dos currículos dos candidatos aos tribunais superiores; iiiii) dominam preocupações de ordem financeira nas alterações propostas para os estatutos da aposentação e jubilação (que nada têm a ver com «a reforma da justiça»; iiiiii) diminuem os direitos dos Magistrados, sendo mantidas as suas obrigações que, nalguns casos, apenas faziam sentido há mais de cem anos e outras... há cerca de meio século.
Continua a desprezar-se a formação contínua ou permanente dos Magistrados, não sendo a mesma contemplada no acordo político-partidário.
i) saúda-se a consagração do regime de autonomia administrativa e financeira para o Conselho Superior da Magistratura.
Lamenta-se que (todos) os Tribunais não beneficiem também de idênticas autonomias, tão necessárias à eficiência da sua gestão.
Finalmente, constata-se que o acordo é praticamente omisso em relação à organização do Ministério Público e à advocacia, áreas que também estão carecidas de intervenção legislativa.
Em conclusão: trata-se de um Pacto criticável quanto à forma assumida na sua divulgação - por menosprezar, ostensivamente, a função legislativa do Parlamento - e insuficiente, em termos substanciais, por ignorar algumas soluções modernas, há muito preconizadas pelos profissionais do foro, que apresentam a tão desejada e necessária potencialidade reformista e que permitiriam um aumento significativo da eficiência da administração da justiça portuguesa, com um reforço das garantias judiciárias do cidadão.
A celebração do acordo não seria grave, per se, se as partes outorgantes não tivessem já anunciado que a (necessária) discussão dos termos do acordo em sede parlamentar apenas visa a recolha de apoios e não a sua eventual correcção para encontrar soluções porventura mais eficientes.
Trata-se de uma manifestação de arrogância partidária no seu melhor, que menospreza, porque vincula, o próprio órgão de soberania com função legislativa. O Parlamento aparece reduzido a mera correia de transmissão e caixa de ressonância de algumas cúpulas partidárias. Acentua-se, ainda mais, a vertente partidocrática do regime.
Nos próximos dias - no caso de surgir tempo disponível para o efeito - alguns aspectos do «Pacto» serão analisados no Blog de Informação, adiantando-se, desde já, algumas observações:
a) a revisão do Código Penal corre o risco de - contrariamente ao desejado - aumentar a criminalidade;
b) a revisão do Código de Processo Penal revela claras insuficiências, não tendo sido devidamente aproveitadas as propostas do projecto «Tribunal XXI» que teriam como consequência um aumento significativo da eficiência da administração da justiça, acompanhado de um aumento também significativo das garantias judiciárias;
c) a mediação penal a nível nacional é inexequível a curto e médio prazo;
d) quanto à acção executiva, o aspecto positivo a salientar, com implicações a curto prazo, é... o «regresso ao passado» para os exequentes que sejam pessoas singulares, passando estas a poder recorrer aos oficiais de justiça para assegurar as funções de agente de execução;
e) no tocante à reforma dos recursos cíveis, a solução encontrada continua a não combater a litigância temerária;
f) quanto à revisão do mapa judiciário, apenas se destacam, como novidades, uma maior flexibilidade na gestão dos meios humanos e materiais, com menores custos financeiros, a extinção do Tribunal da Relação de Guimarães e a criação do Tribunal da Relação de Faro (será, mais uma vez, só no papel?...), nada sendo esclarecido quanto a aspectos essenciais e concretos da nova organização judiciária, que permitam aferir a sua adequação à realidade e, consequentemente, a sua eficácia;
g) relativamente ao regime de acesso à Magistratura, saúda-se a abolição do período de dois anos que actualmente se interpõe entre a conclusão da licenciatura e a entrada no CEJ e a filosofia de maior formação específica para a judicatura;
h) no tocante ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, apenas se constata o seguinte: i) não foi introduzido o modelo de carreira plana que ainda há poucos dias foi anunciado pelo Ministro da Justiça; ii) optou-se, sem qualquer fundamento, por excluir o C.S.M. do recrutamento dos magistrados judiciais do STJ e das Relações; iii) não se percebe, ainda, a inclusão de um Professor Catedrático no júri que apreciará publicamente os candidatos às Relações, uma vez que não está prevista a entrada de "juristas de mérito", além dos juízes, nos Tribunais de segunda instância; iiii) não foram clarificados os critérios de aferição dos currículos dos candidatos aos tribunais superiores; iiiii) dominam preocupações de ordem financeira nas alterações propostas para os estatutos da aposentação e jubilação (que nada têm a ver com «a reforma da justiça»; iiiiii) diminuem os direitos dos Magistrados, sendo mantidas as suas obrigações que, nalguns casos, apenas faziam sentido há mais de cem anos e outras... há cerca de meio século.
Continua a desprezar-se a formação contínua ou permanente dos Magistrados, não sendo a mesma contemplada no acordo político-partidário.
i) saúda-se a consagração do regime de autonomia administrativa e financeira para o Conselho Superior da Magistratura.
Lamenta-se que (todos) os Tribunais não beneficiem também de idênticas autonomias, tão necessárias à eficiência da sua gestão.
Finalmente, constata-se que o acordo é praticamente omisso em relação à organização do Ministério Público e à advocacia, áreas que também estão carecidas de intervenção legislativa.
Em conclusão: trata-se de um Pacto criticável quanto à forma assumida na sua divulgação - por menosprezar, ostensivamente, a função legislativa do Parlamento - e insuficiente, em termos substanciais, por ignorar algumas soluções modernas, há muito preconizadas pelos profissionais do foro, que apresentam a tão desejada e necessária potencialidade reformista e que permitiriam um aumento significativo da eficiência da administração da justiça portuguesa, com um reforço das garantias judiciárias do cidadão.
Comments:
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Saudemos a primeira excepção ao regime de incompatibilidades dos magistrados. Parece que agora passará a haver um magistrado em cada tribunal com funções administrativas de informar, gerir, mandar, distribuir serviço, reportar, informar o chefe, etc... para além das normais e concomitantes funções judiciais. Será escolhido por mérito, só não sei se será remunerado por isso. Será tal acumulação eticamente admissível??
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