2006-09-05
Ainda a respeito da carreira plana
Mais uma vez foi anunciada publicamente a intenção governamental de implementar a carreira plana para as Magistraturas - de acordo com um modelo sui generis a nível internacional -.
Através do novo sistema, o executivo parece pretender, além do mais, que as decisões dos Juízes sejam controláveis, em sede de recurso, por "tribunais superiores" integrados, sobretudo, por cidadãos inexperientes na arte e ciência de administrar a Justiça e seleccionados de acordo com critérios ainda não devidamente esclarecidos e com propósitos ainda mais obscuros.
Qual será o leitmotiv de tal proposta?
Maior qualidade da jurisprudência dos Tribunais Superiores?
Não será certamente.
A contratação de juristas teóricos, destituídos de qualquer experiência de administração de justiça - tão útil para a qualidade do trabalho judicial - não irá assegurar um ganho de eficiência e de qualidade na administração de justiça nos tribunais superiores.
Só quem nunca administrou justiça poderá imaginar que um mero "jurista" - leia-se "técnico de direito" -, mesmo "de mérito", possa ser, apenas com essa qualidade, um competente julgador nos tribunais comuns.
Contrariamente ao referido no artigo do Diário de Notícias abaixo transcrito, o actual sistema de progressão na carreira dos Juízes - e dos Magistrados do Ministério Público -, sobretudo para a segunda instância, não se baseia apenas no factor «antiguidade», sendo o critério dominante para a promoção o mérito profissional dos Magistrados, o qual é avaliado regularmente ao longo de cerca de duas décadas, pelos serviços de inspecção dos respectivos Conselhos Superiores.
Administrar justiça não constitui uma actividade meramente técnica: exige também capacidade de ponderação e de decisão, bem como sentido de justiça.
Deseja-se, como é óbvio, um aperfeiçoamento da organização judiciária portuguesa, o qual é possível.
Mas não será, seguramente, pelo caminho anunciado.
A entrada de «juristas de mérito» no S.T.J., mediante concurso, já se encontra, aliás, prevista na lei. As candidaturas são menos do que poucas... No caso de se alargar o recrutamento de tais juristas para os Tribunais da Relação... certamente não haverá juristas de mérito disponíveis para preencher as vagas...
O legislador, após ponderar todas as consequências e condicionantes, alterará, certamente, o espírito do anunciado projecto de carreira plana, vertendo em letra de Lei uma solução diferente, que satisfaça verdadeiramente as exigências da função judicial - algumas das quais são conhecidas e foram aprovadas, por unanimidade, no último Congresso dos Juízes Portugueses.
Caso contrário, será preferível que tudo fique na mesma.
A Bem da Justiça.
Salvador Dalí
Através do novo sistema, o executivo parece pretender, além do mais, que as decisões dos Juízes sejam controláveis, em sede de recurso, por "tribunais superiores" integrados, sobretudo, por cidadãos inexperientes na arte e ciência de administrar a Justiça e seleccionados de acordo com critérios ainda não devidamente esclarecidos e com propósitos ainda mais obscuros.
Qual será o leitmotiv de tal proposta?
Maior qualidade da jurisprudência dos Tribunais Superiores?
Não será certamente.
A contratação de juristas teóricos, destituídos de qualquer experiência de administração de justiça - tão útil para a qualidade do trabalho judicial - não irá assegurar um ganho de eficiência e de qualidade na administração de justiça nos tribunais superiores.
Só quem nunca administrou justiça poderá imaginar que um mero "jurista" - leia-se "técnico de direito" -, mesmo "de mérito", possa ser, apenas com essa qualidade, um competente julgador nos tribunais comuns.
Contrariamente ao referido no artigo do Diário de Notícias abaixo transcrito, o actual sistema de progressão na carreira dos Juízes - e dos Magistrados do Ministério Público -, sobretudo para a segunda instância, não se baseia apenas no factor «antiguidade», sendo o critério dominante para a promoção o mérito profissional dos Magistrados, o qual é avaliado regularmente ao longo de cerca de duas décadas, pelos serviços de inspecção dos respectivos Conselhos Superiores.
Administrar justiça não constitui uma actividade meramente técnica: exige também capacidade de ponderação e de decisão, bem como sentido de justiça.
Deseja-se, como é óbvio, um aperfeiçoamento da organização judiciária portuguesa, o qual é possível.
Mas não será, seguramente, pelo caminho anunciado.
A entrada de «juristas de mérito» no S.T.J., mediante concurso, já se encontra, aliás, prevista na lei. As candidaturas são menos do que poucas... No caso de se alargar o recrutamento de tais juristas para os Tribunais da Relação... certamente não haverá juristas de mérito disponíveis para preencher as vagas...
O legislador, após ponderar todas as consequências e condicionantes, alterará, certamente, o espírito do anunciado projecto de carreira plana, vertendo em letra de Lei uma solução diferente, que satisfaça verdadeiramente as exigências da função judicial - algumas das quais são conhecidas e foram aprovadas, por unanimidade, no último Congresso dos Juízes Portugueses.
Caso contrário, será preferível que tudo fique na mesma.
A Bem da Justiça.
Comments:
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A respeito do tema, o Dr. Paulo Ramos de Faria colocou o seguinte postal no blogue dizpositivo:
Ontem, escrevia Coutinho Ribeiro no Incursões:
«Juízes preocupados, eu nem por isso
Os juízes temem que os tribunais superiores passem para as mãos de juristas de mérito e de professores universitários se o Governo introduzir o chamado princípio da carreira plana. Trata-se de um modelo que o Executivo pretende pôr em prática até final da legislatura, mas sobre o qual ainda não deu explicações nem ao Conselho Superior da Magistratura nem aos sindicatos dos sector.
Notícia do Correio da Manhã.
Eu se fosse juiz (magistrado, para ser mais rigoroso) também ficava preocupado. Como não sou, acho que isto não me preocupa rigorosamente nada. Desde que o modelo funcione, para mim está bem.»
Com o devido respeito, penso que talvez haja um pequeno motivo de preocupação, mesmo para quem não é magistrado: a qualidade dos juízes (e procuradores) que temos. Que incentivos têm os melhores alunos das faculdades de Direito para optarem pelas magistraturas?
É certo que há alguns putativos incentivos, tendo o Governo, com o aplauso da população, esforçado-se por os reforçar: subsistemas de saúde, flexibilidade na marcação de férias pessoais (ou, para quem assim as veja, dois meses de férias judiciais de Verão), entrada no CEJ no ano da conclusão da licenciatura, excelentes condições de trabalho, pequeno volume de serviço, livre escolha da localidade de exercício de funções....
Todavia, estes excelentes incentivos à opção pela magistratura não têm, surpreendentemente, convencido os melhores alunos. Ainda mais surpreendente é o facto de o "problema" do acesso de não magistrados ao Supremo Tribunal de Justiça ser um problema de excesso de oferta de vagas, e não de excesso procura por parte de "juristas de mérito".
A carreira plana [a que supostamente se anuncia (!)], mais do que permitir aos "juristas de mérito" não magistrados acederem aos tribunais superiores, impede os juízes de o fazerem.
O que pensarão disto os melhores quintanistas das faculdades de Direito? Será que vamos ver instituído um "serviço de magistratura obrigatório", para forçar os licenciados em Direito, os melhores advogados e recém licenciados, nomeadamente, ao exercício funções nos "amaldiçoados" tribunais de primeira instância?
Já agora, outra razão (das não conspirativas), tão menor como a anterior: se tem pacífico curso legal a ideia segundo a qual não faz mal nenhum aos juizes terem outras "experiências de vida" antes de enveredarem pela magistratura, não seria avisado que os senhores desembargadores tivessem a "experiência de vida" de julgarem matéria de facto na comarca, "em directo", antes de julgarem factos e antes de "julgarem julgamentos" em via de recurso?
‘Eu se fosse jurista de mérito (advogado, para ser mais rigoroso) também ficava contente por não ter de passar pela primeira instância. Como não sou, acho que isto não melhorará rigorosamente nada. Claro que, se o modelo funcionar, para mim está bem’.
Ontem, escrevia Coutinho Ribeiro no Incursões:
«Juízes preocupados, eu nem por isso
Os juízes temem que os tribunais superiores passem para as mãos de juristas de mérito e de professores universitários se o Governo introduzir o chamado princípio da carreira plana. Trata-se de um modelo que o Executivo pretende pôr em prática até final da legislatura, mas sobre o qual ainda não deu explicações nem ao Conselho Superior da Magistratura nem aos sindicatos dos sector.
Notícia do Correio da Manhã.
Eu se fosse juiz (magistrado, para ser mais rigoroso) também ficava preocupado. Como não sou, acho que isto não me preocupa rigorosamente nada. Desde que o modelo funcione, para mim está bem.»
Com o devido respeito, penso que talvez haja um pequeno motivo de preocupação, mesmo para quem não é magistrado: a qualidade dos juízes (e procuradores) que temos. Que incentivos têm os melhores alunos das faculdades de Direito para optarem pelas magistraturas?
É certo que há alguns putativos incentivos, tendo o Governo, com o aplauso da população, esforçado-se por os reforçar: subsistemas de saúde, flexibilidade na marcação de férias pessoais (ou, para quem assim as veja, dois meses de férias judiciais de Verão), entrada no CEJ no ano da conclusão da licenciatura, excelentes condições de trabalho, pequeno volume de serviço, livre escolha da localidade de exercício de funções....
Todavia, estes excelentes incentivos à opção pela magistratura não têm, surpreendentemente, convencido os melhores alunos. Ainda mais surpreendente é o facto de o "problema" do acesso de não magistrados ao Supremo Tribunal de Justiça ser um problema de excesso de oferta de vagas, e não de excesso procura por parte de "juristas de mérito".
A carreira plana [a que supostamente se anuncia (!)], mais do que permitir aos "juristas de mérito" não magistrados acederem aos tribunais superiores, impede os juízes de o fazerem.
O que pensarão disto os melhores quintanistas das faculdades de Direito? Será que vamos ver instituído um "serviço de magistratura obrigatório", para forçar os licenciados em Direito, os melhores advogados e recém licenciados, nomeadamente, ao exercício funções nos "amaldiçoados" tribunais de primeira instância?
Já agora, outra razão (das não conspirativas), tão menor como a anterior: se tem pacífico curso legal a ideia segundo a qual não faz mal nenhum aos juizes terem outras "experiências de vida" antes de enveredarem pela magistratura, não seria avisado que os senhores desembargadores tivessem a "experiência de vida" de julgarem matéria de facto na comarca, "em directo", antes de julgarem factos e antes de "julgarem julgamentos" em via de recurso?
‘Eu se fosse jurista de mérito (advogado, para ser mais rigoroso) também ficava contente por não ter de passar pela primeira instância. Como não sou, acho que isto não melhorará rigorosamente nada. Claro que, se o modelo funcionar, para mim está bem’.
Também a respeito do mesmo tema, a Dra. Nicolina Cabrita escreveu o seguinte no blogue «Angulo Recto»:
Desafinações
Há uns dias atrás registei umas "dissonâncias" de opiniões relativamente à ordem de preferência que deverá ser observada na escolha do novo PGR, entre procuradores, juízes e "juristas de reconhecido mérito".
Hoje, a propósito da carreira na magistratura judicial, encontrei esta e esta notícias e ainda este comentário e, uma vez mais, lá aparecem os tais "juristas de elevado mérito".
Mas será que alguém me pode explicar o que é que é isso de "juristas de elevado mérito"? Onde é que estão e o que é que fazem?
Que eu saiba, todos começam por ser "juristas" e só depois, em função dos saberes práticos que aprendem "fazendo", é que passam a ser juízes, procuradores ou advogados.
Será que estão a falar dos "académicos", aqueles que é suposto estarem nas faculdades, a ensinar Direito?
Então, - e só para dar uma ideia -, vão ser estes "académicos", que nunca intervieram numa audiência de julgamento, nem alguma vez interrogaram uma testemunha, quem vai reapreciar a prova em 2.ª instância???
E como é que se afere esse "elevado mérito" e quem é que vai fazê-lo?
Confesso que para os meus ouvidos isto já deixou de ser "dissonância", é "desafinação" mesmo!...
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Desafinações
Há uns dias atrás registei umas "dissonâncias" de opiniões relativamente à ordem de preferência que deverá ser observada na escolha do novo PGR, entre procuradores, juízes e "juristas de reconhecido mérito".
Hoje, a propósito da carreira na magistratura judicial, encontrei esta e esta notícias e ainda este comentário e, uma vez mais, lá aparecem os tais "juristas de elevado mérito".
Mas será que alguém me pode explicar o que é que é isso de "juristas de elevado mérito"? Onde é que estão e o que é que fazem?
Que eu saiba, todos começam por ser "juristas" e só depois, em função dos saberes práticos que aprendem "fazendo", é que passam a ser juízes, procuradores ou advogados.
Será que estão a falar dos "académicos", aqueles que é suposto estarem nas faculdades, a ensinar Direito?
Então, - e só para dar uma ideia -, vão ser estes "académicos", que nunca intervieram numa audiência de julgamento, nem alguma vez interrogaram uma testemunha, quem vai reapreciar a prova em 2.ª instância???
E como é que se afere esse "elevado mérito" e quem é que vai fazê-lo?
Confesso que para os meus ouvidos isto já deixou de ser "dissonância", é "desafinação" mesmo!...
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