2006-06-17

 

Experimentar o sistema medieval






A comunicação social tem dado muito relevo ao regime processual experimental aplicável a acções declarativas cíveis, aprovado pelo Decreto-Lei nº 108/2006, de 8 de Junho.

Importa esclarecer a esse respeito o seguinte:

a) o novo regime apenas será aplicável, a partir de 16 de Outubro de 2006, nos tribunais a determinar por Portaria do Ministério da Justiça (arts. 21º, 1 e 22º, do diploma já citado);

b) o mesmo não é aplicável aos processos especiais - sendo, no entanto, aplicável as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos - (litigância de massa);

c) a tramitação prevê uma iniciativa processual que estará votada ao fracasso, porque raramente ou nunca será utilizada, por falta de receptividade da advocacia portuguesa (art. 9º: apresentação conjunta da acção, para saneamento), tendo em conta o modo como as partes costumam apresentar-se às audiências preliminares, sem terem preparado um projecto de base instrutória;

d) a prestação de depoimento escrito por testemunha, sem juramento e sem que a mesma tenha sido previamente advertida das consequências penais a que está sujeita com a prestação de depoimento falso, afasta a possibilidade da sua responsabilização penal ao abrigo do disposto no art. 359º, nº 1, do Código Penal, em caso de falsidade de depoimento;

e) a possibilidade genérica dos depoimentos serem prestados por escrito (art. 12º, nº 1, do mesmo texto legal) corresponde à solução que era regra no sistema processual europeu comum medieval (prova escrita);

f) uma vez que os juízes medievais não tinham modo de aferição da credibilidade dos depoimentos (análise crítica da prova), vigorava o regime da prova legal ou tarifada (por exemplo, para contrariar o depoimento de um único nobre, seria necessário o depoimento de quinze plebeus...)

Em vez de optar, desde logo, pelo «Tribunal XXI» também em processo civil, com o registo vídeo dos depoimentos (e que asseguraria, em termos a regulamentar, a produção antecipada de prova de um modo que permitisse ao julgador proceder, verdadeiramente, à análise crítica da prova), o legislador português prefere... experimentar o sistema medieval.

Como conhecemos a História, já podemos antecipar o resultado da experiência...




Comments:
Aqueles que ignoram a história, estão condenados a repeti-la.
 
O presente post foi por mim actualizado, nesta data, com as seguintes alterações fundamentais:
a) alteração da alínea b);
b) inclusão da alínea f);
 
A minha alusão à história limitava-se à evolução dos sistemas processuais (sistema europeu comum medieval, sistema liberal, sistema social...) e não dos Governos (da época ou de inspiração liberal...).

Por outro lado, não acredito que a história do Senhor Eleutério permita explicar a razão de ser de alguns fenómenos criticáveis da actualidade - sendo demasiado simplista -, a qual permite, aliás, leituras personalizadas objectivamente injustas e difamatórias, logo condenáveis -.

Em democracia, ou melhor, na partidocracia, a resposta é mais complexa.

Alguns «livres pensadores» chegam a publicar [raramente] dúvidas metódicas que apontam caminhos para essa explicação.

Porém, os «conservadores» do Reino têm respondido imediata e eficazmente, defendendo os «feudos».
Em pleno século XXI.

As pessoas [que não são mais do que corpos dotados de espírito (e, logo, de mentalidade e de vontade...)] actuam limitadas pelo respectivo habitat (físico, social, cultural, económico e político) estando apenas condicionadas pela medida da sua capacidade de acção no âmbito da liberdade disponível.

Nestes termos, podem ter «culpa» (por actos pessoais).

No entanto, isso não explica, "per se", realidades sócio-políticas mais complexas.

A não ser assim, bastaria substituir uma ou duas pessoas ("Eleutérios"...) em lugares-chave, para obter o progresso social.
A resposta não será assim tão simples, pois não?...

Para reflectir...
 
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